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NÃO PRATIQUES MINDFOOLNESS! Sobretudo, se quiseres praticar Mindfulness.

Olá, estimo que te encontres bem. Esta semana quero falar-te um pouco sobre a diferença entre praticar realmente Mindfulness e praticar Mindfoolness.

Tal como as palavras são muito parecidas, também a diferença entre uma prática e outra pode ser bastante ténue, quase impercetível. E se a ciência tem mostrado de forma peremptória os inúmeros benefícios da prática de Mindfulness, em variados níveis e quadrantes, já a prática de Mindfoolness pode ser bastante prejudicial à tua saúde mental e ter um impacto bastante negativo na tua vida (e de quem nela te acompanha). O grande problema é que podes estar certo/a que estás a praticar Mindfulness e na realidade não estás. Podes estar a praticar Mindfoolness, sem que seja tua intenção.

Confuso/a? Se queres descobrir o que estás na realidade a praticar, lê o artigo até ao fim. Se as dúvidas persistirem, podes deixá-las nos comentários para que eu possa responder-te depois.

Mas afinal de contas, o que é o Mindfoolness? Eu julgo que o Mindfoolness, na prática não existe. Não enquanto prática sustentada pela evidência, nem enquanto termo. Na realidade, Mindfoolness foi uma palavra que resolvi usar aqui porque nas minhas limitadas capacidades de tradução, significaria algo como “enganar a mente” – mas fui verificar ao tradutor do Google e na realidade significa loucura. O que também serve para a mensagem que te pretendo deixar.

Poderás estar a questionar-te porque raio quero eu falar de algo que não existe? Porque apesar de não ser uma prática nem um termo em si, pode ser exatamente isso que estás a praticar, tendo tu a intenção de praticar Mindfulness. Em artigos anteriores já te falei um pouco sobre esta prática, que podes revisitar aqui para um maior aprofundamento do tema, e em termos gerais, pode ser definido como a capacidade de prestar atenção ou consciência plena ao momento presente, sem julgamentos e numa atitude de abertura e curiosidade.

O Mindfulness implica o cultivo de 9 atitudes que lhe são subjacentes- podes ler mais sobre elas nestes dois artigos anteriores, que encontras aqui e aqui e são elas: Não-julgamento, Paciência, Mente de principiante, Confiança, Não – Esforço, Aceitação, Deixar Ir, Gratidão, Generosidade.

A questão é que por vezes, o não-entendimento do significado de cada uma destas atitudes, poderá conduzir a grandes equívocos, que na prática, anulam e destroem por completo a prática de Mindfulness. É sobre esses equívocos que te quero falar. Se os estiveres a alimentar, então estarás provavelmente a praticar Mindfoolness, mas não Mindfulness.

A seguir, vou então falar-te dos principais erros que poderás estar a cometer, com a intenção de praticar Mindfulness.

Elementos da prática de Mindfoolness
(ou sobre os principais Mitos da prática de Mindfulness, caso prefiras o correto ao trocadilho):

1 – Praticar resignação em vez de aceitação

Aceitar implica ver as coisas como elas são, receber as experiências como elas surgem, acolhê-las, as agradáveis e as desagradáveis, como se fossem velhos amigos que te estão a visitar. Não significa resignares-te, gostares ou ficares numa atitude de passividade perante algo. Implica observares, descreveres, compreenderes, para depois poderes agir com consciência em vez de agires no modo de piloto automático, com as respostas aprendidas do modo fazer da mente.

2 – Praticar pensamento positivo em vez de aceitação

Pensar que vai correr tudo bem, ver o copo meio cheio em vez de meio vazio, preferir o lado bom das experiências é pensamento positivo, não é aceitar o momento tal como ele é. O Mindfulness não significa a preferência pelas coisas ou experiências agradáveis. O Mindfulness implica estar com o que está no momento presente (não no passado, nem no futuro).

3 – Praticar o modo fazer em vez do deixar estar

Arranjar estratégias para resolver as nossas angústias, medos, conflitos ou problemas que derivam dos relacionamentos interpessoais não é praticar Mindfulness. A menos que te dês conta que esse é o funcionamento da mente, tentar arranjar “soluções lógicas e racionais” para tudo, e então aí estarás a praticar Mindfulness, simplesmente tendo consciência dessa natureza da mente. A forma como te relacionas com essa natureza é que determina se estás a praticar Mindfoolness – caso estejas a “obedecer” ou a cumprir os passos que a mente te diz. O Mindfulness é apenas observar e constatar que essa é a natureza da mente, e deixar estar, sem ter de obedecer aos pensamentos todos, como se estes fossem realidades.

4 – Praticar permissividade em vez de escolha consciente e do não-esforço

Usar a meditação ou o Mindfulness para não agir em relação às situações pode ser classificado como permissividade, mas não como não-esforço. O não-esforço implica abdicar das expectativas e julgamentos sobre o que tu gostarias que fosse a realidade. Implica que vejas a realidade tal como é e ajas em função disso, a partir daí, e não de como tu gostarias que fosse. Não fazer nada quanto à realidade pode ser a melhor atitude a tomar, quando de facto se trata de algo que não depende de ti alterar, mas quando o podes fazer e optas por não fazer nada, não estás a praticar o não-esforço. Estás a praticar permissividade, racionalizando e dizendo para ti que isso não importa. E isso é Mindfoolness.

5 – Praticar evitamento em vez de abertura à experiência com curiosidade

Detetar os pensamentos, emoções e situações desagradáveis para a seguir as suprimir da tua vida, distraindo-te fazendo outras coisas ou evitando pensar, sentir ou fazer algo porque é desagradável, pode ser classificado como evitamento. O evitamento, como o nome indica, consiste em evitar. Quando evitas algo (seja um pensamento, emoção ou situação) estás a ativar o circuito de ameaça no teu cérebro, pelo que bloqueias a curiosidade e a abertura – faz todo o sentido para sobreviveres às ameaças, mas nem todas as ameaças são reais – lê mais sobre o medo aqui. Além disso, quando evitas estás no modo resistência e não aceitação da realidade. Estás a praticar Mindfoolness, e de certa forma, a aprimorar uma espécie de escapismo da tua vida, em vez de mais conexão com ela.

6 – Praticar o controlo em vez do deixar ir e da confiança

Quando praticas Mindfulness, aprendes a deixar ir e a confiar, sobretudo em relação a experiências que te causam desconforto ou sofrimento. Por outro lado, usar a meditação para controlar os pensamentos, emoções e vivências é completamente o oposto. Aí estarás a praticar Mindfoolness, se deres por ti a racionalizar e controlar.

7 – Praticar o esvaziamento da mente em vez da consciência da observação da mente

Muitas pessoas associam o Mindfulness à meditação e a meditação ao esvaziamento da mente. Provavelmente, existirão meditações que convidam a esta prática, não domino nem de longe nem de perto todos os tipos de meditação que existem. Mas posso garantir-te que se for esse o caso, estás a praticar algo que não é Mindfulness, pois este implica estar no momento presente, ter consciência do que está a acontecer na mente e observar isso, aceitando e não tentando controlar ou alterar o que quer que seja.

8 – Praticar a negação do sofrimento em vez da equanimidade dos estados emocionais

Há também quem julgue que quem pratica Mindfulness se sente feliz o tempo todo. Há uma certa “ditadura” da felicidade na nossa sociedade, na minha perspetiva: por algum motivo se vendem tantos Prozac e Viagra. Todos queremos sofrer menos, e isso é legítimo, pensas tu (e eu também). No entanto, negar o sofrimento é o caminho certo para sofrer mais, pois é acrescentar sofrimento ao sofrimento. O sofrimento é inevitável na nossa existência, pelo que vivenciar os estados emocionais mais desagradáveis com equanimidade será uma atitude verdadeiramente mindful. Por outro lado, usar estratégias para evitar sentir emoções desagradáveis (tais como a tristeza ou a raiva, por exemplo) terá mais a ver com Mindfoolness, a tentativa de enganar a mente que potencia ainda mais as espirais negativas da mesma.

9 – Praticar a racionalização em vez da mente de principiante

Há ainda a tendência da mente para explicar tudo, principalmente quando a realidade não é inteiramente conhecida – nós, humanos, não gostamos muito do desconhecido. O desconhecido traz incerteza, imprevisibilidade, e uma sensação de impermanência e não controlo. Ao não aceitarmos isso, que no fundo é também a natureza da vida em si mesma, tendemos a praticar a racionalização, que nada mais é senão a tentativa de controlar o que não depende do nosso controlo ou ação direta. Damos então mais trabalho à nossa mente, que tenta resolver estas questões acrescentando uma e outra e mais outra camadas de pensamento – e quando dás por ela, estás submerso numa catadupa de pensamentos que não param de ruminar na tua cabeça. Estarás a praticar Mindfoolness, mas não Mindfulness, porque para praticares este último, o mais útil seria manteres uma atitude de mente de principiante, que implica curiosidade e abertura à experiência. Mais uma vez, estar com o que está e não com o que deveria estar ou com o que eu gostaria que estivesse – estou a tornar-me repetitiva, não?

10 – Praticar o relaxamento em vez do contacto com o momento presente

E depois há ainda quem pratique Mindfulness com o objetivo de relaxar. Medita com o objetivo de ficar mais tranquilo, e por isso mesmo, quando está num período de maior stress ou sofrimento emocional, “não consegue” meditar. E repara que “não consegue” está entre aspas, porque na realidade, trata-se de um julgamento. Notar que a mente está agitada e que é difícil ou mesmo impossível parar os pensamentos em catadupa e os estados emocionais e sensações corporais desagradáveis é mesmo parte do processo da prática de Mindfulness. Aliás, é o coração da prática. Logo, não há como falhar. Só se tiveres em mente o Modo Fazer, que te diz que deves alcançar alguma coisa em concreto quando praticas – e aí estás a praticar Mindfoolness.

 

A boa notícia é que, mesmo que tenhas concluído que praticas Mindfoolness muitas vezes (aposto que sim, praticamos todos porque temos todos a mesma mente), sempre que notares que o estás a praticar, isso em si já é uma prática de Mindfulness. Simplesmente porque tiveste consciência plena no que está a acontecer no aqui e agora. E isso vai ajudar-te a ser mais feliz, menos ansioso/a e a aproveitares a tua vida com muito mais presença e consciência, entendendo e sabendo tu que da felicidade também faz parte o sofrimento.

 

Vai passando por cá. Vou falar-te mais sobre este e outros assuntos que te podem interessar.

Se te fez sentido e achas que pode fazer sentido a alguém, partilha este artigo.

Até breve, boa semana!

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